Um comentário qualquer do dia-a-dia, a maneira de arrumar a cama, as preferências musicais. São referências como essas que contribuem para a formação da personalidade, o jeito de pensar e agir das crianças. Observando e participando da vida familiar, elas aprendem com os pais como o mundo funciona. Isso só acontece quando há convivência. E depois da separação? Como os pais criam os filhos sem estar perto deles todos os dias? Hoje a legislação brasileira determina que fica com a guarda aquele que tiver melhores condições de exercê-la.
Com o avanço do projeto de lei que coloca a guarda compartilhada como opção, pode haver mudanças no dia-a-dia dos pais separados. Até agora, para chegar a essa decisão, coloca-se o pai e a mãe diante de uma disputa e quem "vencer" fica com o "troféu". A guarda compartilhada significa que mãe e pai têm os mesmos deveres e as mesmas obrigações na criação dos filhos, e também oportunidade igual de convivência com eles. Parece óbvio, mas não é. O sistema está previsto na lei norte-americana desde 1975 e em países da Europa há mais de 20 anos. Com a guarda compartilhada, o juiz explicará às partes o significado do sistema, incentivando a adoção dele. A nova lei, apostam os especialistas, vai provocar mudanças culturais. "Como é preciso definir quem terá mais tempo com o filho, costumo dizer que hoje a Justiça leva o casal à briga.
Com a mudança, a primeira opção será a conciliação", diz a advogada Sandra Vilela, voluntária da Associação Pai Legal, em São Paulo. A guarda compartilhada é também um reflexo da família moderna, com homens e mulheres inseridos no mercado de trabalho - e, portanto, com a mesma disponibilidade de horários para ficar com os filhos. Há muito se foi o tempo em que a ocupação feminina era apenas cuidar dos filhos.
Nada mais justo, então, que os pais dividam igualmente todas as tarefas que lhes cabem. Sem falar no mais importante: conviver com o pai e a mãe, como lembra a advogada Sandra, é um direito das crianças previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1989.
Está escrito: "É direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contatos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança". Nome aos bois
Por tratar-se de uma questão complexa, vale desfazer as confusões que o termo suscita. Guarda alternada é quando a criança mora um período com o pai e outro com a mãe. Compartilhada não é uma divisão de tempo e espaço do filho: 50% para o pai, 50% para a mãe. Os genitores devem decidir juntos a vida da criança: onde mora, onde estuda, quem é seu médico, quem são os seus amigos, se vai ou não a um curso de natação. O filho pode ter o seu cantinho em duas casas, mas a recomendação é que exista uma residência fixa e horários pré-estabelecidos. Cada família encontra saídas para a sua realidade. A guarda compartilhada não tem um modelo pré-definido e o casal deve discutir o que é melhor para sua família. Para quem não está em paz com o ex, a lei de hoje funciona como um grande empecilho. Há muitos ex-cônjuges que dificultam - e muito - a convivência do outro com o filho. Desgaste para todos.
A guarda compartilhada é um objetivo nobre, que todo pai e toda mãe devem perseguir. Porque os filhos, esses, sim, o verdadeiro foco de toda e qualquer decisão do casal, só têm a ganhar. Ela sempre funcionará melhor em famílias que tiveram um vínculo forte antes da separação. Pais participativos no casamento continuarão a sê-lo depois do divórcio. E amor não se estabelece por decreto. "Não se obriga ninguém a amar", pondera a psicóloga Sylvia Van Enck Meira. "Mas vale tentar uma aproximação." E vale também facilitar a vida dessas famílias. A aprovação da lei abre um novo caminho. O do entendimento.
Fonte: Revista Crescer
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