quinta-feira

Punir a criança por mentir não adianta


“Se você mentir, seu nariz vai crescer!”. Quem nunca ouviu essa advertência, inspirada na história de Pinóquio, o boneco de madeira que queria ser menino de verdade? No clássico infantil, o nariz de Pinóquio aumentava de tamanho, denunciando cada vez que uma lorota saia de sua boca. Como isso não acontece com as crianças, muitos pais ameaçam e punem os filhos quando os flagram contando uma mentira. Mas será que isso realmente funciona? A partir de um experimento realizado com 372 crianças de 4 a 8 anos, pesquisadores da McGill University, do Canadá, concluíram que não.

Para chegar a esse resultado, os participantes foram encaminhados para uma sala com um adulto, que ficaria ausente durante apenas um minuto. Antes de sair, ele pedia aos pequenos para não espiar o que havia atrás deles. Enquanto ficavam sozinhos no ambiente, câmeras registravam sua reação. Cerca de 2/3 das crianças (251 no total) infringiram a solicitação (sendo que, a cada mês que a idade das crianças aumentava, menor era a chance de desobedecer). Entre as transgressoras, 2/3 (167 no total) mentiram quando os especialistas perguntaram se elas haviam espiado ou não.

Mas as principais conclusões do estudo são outras. Os pesquisadores constataram que a possibilidade de a criança dizer a verdade é menor se ela sentir medo de ser punida. “Na verdade, a ameaça de punição pode ter o efeito reverso, reduzindo a probabilidade de ela contar a verdade. Essa informação é útil a todos os pais de crianças pequenas e profissionais como os professores, que querem encorajar a honestidade”, explica a pesquisadora líder do estudo, Victoria Talwar. “As punições, no máximo, sinalizam à criança como não agir e nada mais. Os efeitos são temporários, funcionam somente na presença de quem pune e não atingem o motivo que mantém o comportamento indesejado” diz a psicóloga Juliana Fazolaro, do Hospital São Camilo (SP).

De acordo com o estudo, as crianças pequenas tendem a dizer a verdade quando percebem que isso deixaria o adulto feliz, enquanto as crianças maiores fazem o mesmo porque já entendem que é o certo a fazer. “É a partir dos 2 anos, em especial entre os 3 e 4, que começa a transformação de bebê em criança. “Nesta fase, eles começam a distinguir o "certo" do "errado", não só pelas atitudes em si, mas também pelo olhar dos adultos, pela mudança de postura deles ou por sinais, como o tom de voz, a expressão facial ou a pele ruborizada”, explica Juliana. É desde essa idade que, com a ajuda dos pais e cuidadores, a criança passa a entender (e a experimentar) que todas as suas ações trazem consequências.

Mentir é normal?

Até os 5 anos, a criança ainda não é capaz de estabelecer um limite entre o que é fantasia e o que é realidade. Ela pode passear entre histórias fantásticas e tratar fadas, bruxas e duendes como se pertencessem ao mundo concreto. Mas se seu filho insistir sempre nas mesmas histórias, falando sobre perigos, medos e perseguições, ele pode estar tentando fazer um alerta. “Isso pode revelar certas angústias que ainda não estão bem resolvidas ou entendidas e essa é a forma que ele encontrou de expressá-las”, explica Juliana.

No entanto, essas narrativas também podem ser uma forma de fugir a punições, críticas e desaprovação. Se for esse o caso, sermão não vai adiantar. “O melhor é mostrar, de forma bem prática, que cedo ou tarde as mentiras serão descobertas e que será preciso lidar com o erro cometido”, esclarece Juliana. Em contrapartida, valorize a atitude corajosa de dizer a verdade – mesmo que seja confessar uma arte ou uma nota baixa na escola.

Já por volta dos 7 anos, a criança tem plena consciência do que é certo e errado e pode tentar usar de mentiras para manipular uma situação. “Nesse momento, há a necessidade de diálogo. Os pais devem mostrar a importância do erro e dar à criança a oportunidade de reparação. Caso isso não ocorra, há o risco de ela entender que não houve reação relacionada à sua ação e ainda sentir que levou vantagem, pois conseguiu atingir seu objetivo”, alerta a psicóloga.

Se as mentiras se tornam frequentes, é melhor procurar o acompanhamento de um psicólogo ou pedagogo. É comum que outros comportamentos, como baixa sociabilidade e pouca tolerância à frustração, apareçam junto. Fique atento!

Fonte: revista Crescer

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