segunda-feira

O cérebro guarda para sempre os sons da língua materna...

Mesmo que você não seja mais fluente nela, aponta estudo

Sua língua materna deixa para sempre uma marca no seu cérebro. Essa foi a conclusão de uma pesquisa realizada no Canadá e publicada no jornal científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), nos Estados Unidos. Pesquisadores analisaram um grupo composto por 49 meninas de 9 a 17 anos da região de Montreal, no Canadá, onde o francês é a língua oficial. O estudo mostrou que aquelas que nasceram na China e foram adotadas por famílias canadenses quando tinham apenas 1 ano de idade ainda eram capazes de reconhecer fonemas do mandarim.

As meninas foram divididas em três grupos. No primeiro estavam as francófonas, que jamais foram expostas ao idioma chinês. O segundo era de chinesas adotadas por famílias canadenses, que só sabiam falar francês, e o terceiro, de meninas chinesas bilíngues, que dominavam ambas as línguas. As garotas entraram em contato com fonemas típicos do idioma chinês, e, por meio de um exame de ressonância magnética, os pesquisadores puderam examinar quais áreas do cérebro foram ativadas por esses sons. Então notaram que, mesmo que as meninas do segundo grupo, adotadas por famílias canadenses, falassem apenas o francês, seu cérebro ainda era capaz de reconhecer o idioma materno.

Para a fonoaudióloga Bianca Queiroga, presidente com Conselho Federal de Fonoaudiologia, em Brasília, esse fenômeno tem a ver com a neuroplasticidade, que determina a facilidade de adaptação do cérebro da criança ao estímulo que ela recebe do ambiente. “Até os 6 anos, período crítico para o desenvolvimento, o cérebro está mais maleável a todos os estímulos. Isso explica por que essas crianças guardaram o sons do mandarim mesmo sem serem expostas ao idioma”. É como se nos primeiros anos de vida o cérebro fosse uma esponja, capaz de absorver tudo o que lhe é apresentado. O resultado é que elas adquirem um vasto repertório do mundo. Nesse caso, o conhecimento pode ser muito valioso para a aprendizagem do chinês e de novas línguas.

Bilíngue ou não: eis a questão
Muitas famílias que passam pela experiência de se mudar para outros países temem que os filhos comecem a confundir a língua materna com o novo idioma e, no final das contas, não falem nenhum dos dois direito. Mas, na maioria dos casos, quando a criança tem um desenvolvimento normal, Bianca garante que não há com o que se preocupar: “Os pais não devem ter medo que as crianças façam confusão, porque elas vão aprendendo naturalmente as duas línguas. A aprendizagem bilíngue, aliás, traz uma enorme vantagem: faz com que a criança domine ambos os idiomas como falante nativo”, explica.

É exatamente isso o que acontece na casa de Camila Bauhain, 32 anos, empresária. Ela é casada com um francês, mas mora aqui no Brasil com os filhos Vivi, de 4 anos e meio, e Théo, de 2. Na França, Camila só falava em português com as crianças quando eles estavam em casa. Mas hoje que vivem por aqui é o contrário: em família, o idioma oficial é o francês. “Fiquei preocupada no começo, mas perguntei à pediatra e à psicóloga e elas me explicaram que não teria problemas, porque, até os 5 anos, as crianças pensam que os dois idiomas são um só”, conta.  Vivi logo vai começar a ser alfabetizada e Camila parece tranquila: “Ainda não sabemos como vai ser, mas trazemos de nossas viagens muitos livrinhos em francês  e meu marido vai poder ajudá-la.”

É claro que é possível aprender uma segunda, terceira ou até quarta língua em qualquer idade, já que o cérebro sempre terá a capacidade de se adaptar. No entanto, se a aprendizagem não for bilíngue, esses novos idiomas serão falados com menos destreza do que a língua materna. Prova disso são as pessoas que vivem em outros países há anos e não são capazes de falar como os nativos, apesar de serem fluentes. Sempre tem um sotaque, uma expressão, uma construção de frase que acaba denunciando que aquele não é o primeiro idioma aprendido.

Por esse motivo, muitos pais que querem estimular a aprendizagem  de um segundo idioma fazem questão de que os filhos estudem em colégios bilíngues. Porém, Bianca faz um alerta: “Ser bilíngue não é o único aspecto que deve determinar a escolha da escola. É preciso considerar a proposta pedagógica e a abordagem da escola, para garantir que a criança aprenda esse novo idioma de forma natural.”

Além disso, é preciso levar em conta que muitas dessas escolas bilíngues não dão tanta ênfase ao aprendizado da culltura brasileira: priorizam a história, os costumes e as tradições dos países falantes do idioma a ser aprendido. Cabe a cada família pôr tudo isso na balança e decidir o que deve ser priorizado na educação da criança. Se há algum vínculo familiar com a cultura que será ensinada, pode ser uma experiência interessante para resgatar suas origens. Mas se não há conexão nenhuma, por que aprender mais sobre um país alheio do que do sobre o país em que você nasceu e vive?

E os cursinhos de idiomas?
Para Bianca, os cursos extracurriculares podem começar a partir da Educação Infantil, por causa da facilidade para a aprendizagem que a neuroplasticidade propicia. No entanto, ela alerta: "Os pais não devem forçar a criança, devem apenas incentivar, ficando atentos para a reação dela em relação às atividades propostas no ensino do novo idioma. Diante de reações negativas como recusa de ir as aulas ou perda do interesse, a atividade deve ser repensada".

Além de ter certeza que a atividade não é apenas instrutiva, como também prazerosa para a criança, também é preciso ficar atento à sobrecarga curricular. Lembre-se de que, além da obrigação de ir à escola regular, é preciso deixar tempo livre para o descanso e para o lazer.


Fonte: revista crescer

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