quarta-feira

Fracasso: por que ele não é tão ruim assim para o seu filho

Em livro recém-lançado, autora norte-americana defende que os pais devem dar mais espaço para que as crianças aprendam a lidar com os próprios erros desde cedo


A jornalista norte-americana Megan McArdle, 41 anos, já passou pelas publicações mais conceituadas dos Estados Unidos: The Economist, The Atlantic, Newsweek e, atualmente, é colunista e blogueira na Bloomberg. Mesmo assim, e apesar do currículo, se tem uma coisa da qual ela se vangloria de entender muito bem é o fracasso. “Eu sou o Mozart do infortúnio, o Paganini da má sorte”, escreve, referindo-se ao fato de ter na bagagem mais demissões e quebras de contrato do que a maioria das pessoas da sua idade. Toda essa experiência rendeu boas histórias e muitas dicas para compartilhar no livro recém-lançado The Up Side of Down – Why Failing Well is the Key to Success (O Lado Bom do Ruim – Por que Saber Falhar É a Chave do Sucesso, em tradução livre), da Editora Viking.  

Apesar de não ter filhos, a autora dedica parte dos capítulos à defesa da tese de que, sendo os fracassos passos importantes para a construção do sucesso, as crianças não devem ser poupadas de lidar com situações em que suas falhas fiquem expostas. “Vivemos uma epidemia mundial de superproteção. Isso significa que os pais estão mais preocupados e, por isso, colocam seus filhos em bolhas. Querem fazer tudo para que não haja frustração ou sofrimento sem perceberem que o resultado pode ser catastrófico”, conta, em entrevista à CRESCER. O livro já teve os direitos comprados por uma editora brasileira e será lançado em 2015. Até lá, veja o que a jornalista tem a dizer sobre o fracasso.

Se as falhas fazem parte da vida, por que temos tanto medo delas?
Existe uma razão muito clara pela qual todos nós temos medo de falhar: a gente se sente muito mal. Só que existe uma razão pela qual há toda essa chateação quando fazemos algo que dá errado. O fracasso é uma maneira de a natureza dizer “Pare! Isso não é uma boa ideia”, mas muitas vezes esse alerta vem por meio da dor e da frustração. Não é incomum que as pessoas tentem evitar a dor se colocando, sem perceber, em uma posição ainda mais perigosa: a estagnação. Costumo dizer que não há nada pior do que a segurança. Quando você está sempre em sua zona de conforto, não está usando todas as suas capacidades. Se as crianças nascessem com essa lógica, ainda estariam deitadas no berço. Para aprender a engatinhar ou andar, elas arriscam, caem, se recompõem e seguem em frente. 

Algumas pessoas defendem que o medo é uma construção social. Pensando assim, as crianças nascem destemidas e, com o tempo, vão aprendendo a temer as coisas. Você acha que se conseguíssemos desconstruir esse sentimento, seríamos pessoas melhores?
Ninguém conseguirá eliminar completamente o medo do fracasso, é como um soldado, que sempre sentirá medo de morrer quando for para a batalha. Seja na vida ou no campo de batalha, heróis não são pessoas desprovidas desse sentimento, mas que sabem trabalhar com seus próprios temores. Eles focam em seus objetos, minimizam os riscos que podem aparecer e, em seguida, mergulham, a despeito dos medos. E quando nós paramos para analisar nossas próprias vidas, do que mais nos lembramos? Certamente dos tempos em que superamos o incerto e conquistamos algo.

Você afirma que os pais de hoje são superprotetores demais. Acredita que existe um conflito de gerações na forma como os filhos de antigamente, atualmente pais, e as crianças de hoje lidam com os erros e acertos?
Sem dúvida. Os pais de hoje em dia são muito zelosos e protetores. Em parte, isso é uma coisa boa, porque começam a investir mais na segurança das crianças. No entanto, infelizmente, tudo que vem em demasia causa problemas. Assim como você vê uma epidemia mundial de obesidade infantil, nós estamos vivendo também uma epidemia de superproteção, que já deixa consequências. Alguns estudos mostram que as crianças que não têm permissão para escalar árvores ou brinquedos de playground, por exemplo, têm mais medo de altura do que aquelas que já sofreram uma queda feia. É compreensível, a coisa mais assustadora do mundo é o desconhecido, o incerto – como em filmes de terror ou livros que ficam ainda mais assustadores se você não sabe quem está perseguindo o protagonista. Mas saber enfrentá-lo deve fazer parte da vida. Quando você nega a uma criança a experiência de tentar e falhar, e talvez quebrar o braço, você acha que está protegendo-a, porém, o que você está fazendo é despreparando-a para a vida. Pense que, um dia, você não vai estar mais por perto para gerenciar cada minuto do tempo dela.

Certo, o jeito é prepará-las para lidar bem com os fracassos e falhas. Mas como os pais podem fazer isso sem que fiquem mais apreensivos ou que sofram ao vê-los cair?
Como eu disse, às vezes vai machucar! E eu sei que é uma agonia para os pais ver seus filhos encarando até mesmo o menor dos riscos. É ainda pior quando eles choram por falhar em uma prova ou perder um jogo importante. É igualmente difícil levá-los ao médico e vê-los tomar a picada da injeção, no entanto, nós fazemos porque sabemos que, na verdade, estamos protegendo-os de uma catástrofe muito pior. É assim que temos que pensar quando deixamos as crianças experimentarem coisas novas: é difícil, mas prendê-las é pior. E os pais certamente nunca se esquecerão do olhar do filho quando ele chegar ao topo da árvore pela primeira vez, ou marcar um gol, ou conquistar algo difícil e arriscado, como andar de bicicleta.

Você diz que as pessoas aprendem com a prática. Acredita que hoje em dia os pais tentam antecipar tudo para os filhos e, dessa maneira, acabam não permitindo que eles pratiquem? O que os pais podem fazer de maneira diferente?
O problema não é não deixar que a criança pratique, é impedir que ela explore o mundo. Vejo que muitos pais querem as coisas bem estruturadas, certinhas, justamente o oposto do que as crianças sabem fazer. Elas são destemidas por essência – e, claro, também precisam de controle e limite. Porém, deixá-las experimentar coisas, e depois soltá-las, é a melhor maneira de construir caráter e paixão. Acho que o importante é ajudá-las a conviver melhor com falhas e fracassos e incentivá-las a explorar um monte de coisas, de modo que elas tenham chances de tropeçar e, depois, aprender a se levantar.

Qual deve ser o papel da escola para incentivar e aprimorar a maneira como as crianças lidam com os fracassos e as frustrações?
Ensinar a lidar com o fracasso deve começar em casa, mas, sem dúvida, isso precisa ser reforçado pela escola. É papel das instituições de ensino estabelecer padrões elevados para estimular as crianças a darem o seu melhor. No entanto, em caso de erros ou falhas, elas também precisam ouvir que está tudo bem, que faz parte do processo de aprendizado e que é sempre possível tentar novamente. Me parece que um bom jeito de fazer isso é mostrar que até mesmo grandes personalidades falham. Isaac Newton, por exemplo, antes de ser inventor da física moderna e coinventor do cálculo, se envolveu com alquimia. É importante explicar para as crianças que a ciência não é feita de gênios e sábios, mas de pessoas que, mesmo com todas as suas imperfeições, conseguiram alcançar coisas incríveis.

O que é melhor: pequenas e frequentes falhas ou um grande fracasso ocasional?
Eu sempre digo que o melhor jeito é minimizar os custos do fracasso. Isso significa que, em geral, é melhor um monte de pequenos erros do que um enorme e potencialmente catastrófico. Não quer dizer que pessoas nunca devam correr grandes riscos, mas é bom ponderar. Se você ficasse pensando em tudo o que poderia dar errado, nunca se casaria ou teria filhos, que me parecem ser duas das melhores coisas do mundo.


Fonte: revista Crescer

Nenhum comentário:

Postar um comentário