sábado

Equilibrando o medo

Mais do que se preocupar em eliminar os temores da infância, o primeiro passo para criar um filho com autoconfiança é justamente ensiná-lo a lidar com seus limites. Saiba aqui o que é preciso para harmonizar a questão com as crianças sem deixar de protegê-las


Cristiane Rogerio e Noêmia Lopes. Fotos Ricardo Corrêa. Ilustrações Carla Irusta


Gabriela usa colant e sapatilha da Cyma Ballet, Tutu (Acervo), Sapatilha de Tip Toey Joey 

Não há uma única aventura clássica em que o protagonista não tenha seus limites testados em uma série de situações. Os enredos sempre alternam entre ser destemido e os momentos em que o herói simplesmente trava. Do pavor de cobra do arqueólogo Indiana Jones, passando pelo medo de voar do Super-Homem, à falta de coragem de Frodo em diversas etapas de sua jornada em O Senhor dos Anéis, a “situação-teste” está sempre ali no roteiro.

Em nossas vidas acontece assim também. E quanto antes educarmos as crianças a lidar com seus impedimentos e buscar conquistas, melhor. O ponto alto aqui é o equilíbrio. Isso porque o medo não é apenas algo natural, mas necessário para nossa sobrevivência. Não há evolução sem algo a temer. É justamente o jeito de tratar isso que nos dá a chave para seguir em frente, pois não se pode viver em função dele. E aqui o papel dos pais é essencial. É preciso ser forte. “Pode parecer contraintuitivo, mas ajudar a criança a desenvolver autoconfiança envolve ficar por perto e observá-la saindo de sua zona de conforto. Isso exige coragem de sua parte. Quanto mais confiante e corajosa a criança se tornar, mais coragem você precisará ter para apoiar o crescimento dela”, escreveu o psicólogo australiano Anthony Gunn em Como Criar Filhos Autoconfiantes (Ed. Gente), lançado no final do passado no Brasil. Você entendeu certo: seu filho vai correr riscos.

Fácil não é, sabemos. E mais: não parece que hoje temos ainda mais medo que antes? Fora os temores ligados aos desafios do desenvolvimento (escuro, monstros, altura, ficar sozinho), há uma tensão geral, a sociedade está mais agressiva. Um dos maiores especialistas em transtorno de estresse pós-traumático do Brasil, o psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Ferreira-Santos, de São Paulo, assiste ao clima de pavor atingindo as crianças. “Elas estão vivendo um reflexo do medo dos adultos, que o transmitem em um conjunto de restrições”, diz ele, que criou no Hospital das Clínicas o Grupo Especializado no Atendimento a Vítimas da Violência Urbana (Gorip), e viu inúmeros casos em que os pais estavam sempre mais apavorados que os filhos, inclusive quando a violência acontecia com as próprias crianças. Por conta disso, nos sentimos mais expostos, mais vulneráveis e, por consequência, mais presos. Pura contradição. Temos medo, nos fechamos e quando nos fechamos ficamos menos capazes de enfrentá-lo, pois só a experiência pode ajudar.

A contradição continua quando pensamos que, para sobreviver aos tempos de hoje, há um segredo importante: autoconfiança. Está lá no topo de qualquer livro de autoajuda para se obter sucesso na vida. Crianças estimuladas a serem autoconfiantes desde cedo são mais curiosas, mais abertas ao aprendizado, mais sociáveis e mais propensas a serem felizes, dizem as pesquisas. Mas, antes de tudo, precisam ser e se sentir livres. “Eu ousaria usar a palavra paranoico, mesmo que entre aspas. Pais ‘paranoicos’ geram filhos fóbicos. Sabe aquele ‘não faça’, ‘olha isso’, ‘cuidado’, vai gerando uma criança com medo de tudo”, diz o psiquiatra. Isso não quer dizer deixar os filhos fazerem o que bem entendem, porque os limites também educam. Ele mesmo viveu isso na pele. Quando seu filho, hoje com 22 anos, quis se equilibrar em cima de um muro, ele deixou, mesmo querendo dizer não e sabendo que o menino poderia se machucar. “Fiquei com o coração na mão. É claro que não estávamos em um precipício e eu o tempo todo bem por perto sempre. Ele exercia uma liberdade com uma margem de segurança.”

Mas essa é uma dinâmica difícil de escapar. Exercer a autonomia de uma criança hoje parece mais um jogo de onde se perde mais ou menos.

Medo ou fobia? 
O medo é uma emoção natural do ser humano, um aliado à sobrevivência. Fobia é um medo excessivo, desmedido, que surge na presença ou previsão de encontro com o objeto que causa a ansiedade. “Um jeito de saber se está passando da conta é quando há sofrimento na criança e se a vida familiar fica limitada por causa do medo. Aí é hora de buscar ajuda”, diz Neuza Corassa, psicóloga de Curitiba e criadora do site medos.com.br.

Fonte: Revista Crescer

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