sábado

Entrevista com Zélia Freire, a primeira mulher que ficou grávida com óvulos congelados

A advogada que mora em Vitória foi a primeira brasileira a usar a técnica de congelamento de óvulos em 2001
Antes que os óvulos envelhecessem, a decisão de Zélia Natalli foi guardá-los para quando decidisse engravidar. Isso aconteceu aos 37 anos. A gravidez foi decidida três anos depois. Hoje, aos 48 anos, Zélia é mãe de Julia, 8, que se tornou o primeiro bebê brasileiro nascido por meio do congelamento de óvulos. Em entrevista à Crescer, Zélia conta como foi o processo e revela uma gravidez tranquila e saudável, como qualquer outra.
CRESCER - Por que você decidiu congelar seus óvulos? Zélia Freire - Meu marido tinha filhos pequenos, e eu não queria mais um filho porque seriam quatro crianças. Eles nunca moraram comigo, mas passávamos o fim de semana juntos, viajávamos nas férias. Eu pensei: deixa eles crescerem, quando estiverem maiores eu tenho o meu. E eu não queria ser mãe naquela época. Tinha na cabeça que queria ser mãe aos 40 anos.
CRESCER - E como você tomou essa decisão? ZF - Foi em uma consulta médica. Eu já havia feito uma cirurgia de ovário, bem antes, quando tinha uns 25 anos. Continuei sendo acompanhada por este médico e, um dia, ele me perguntou se eu não queria ter filhos. Tinha 37 anos. Ele me disse que o tempo estava passando e que os meus óvulos estavam envelhecendo. Eu respondi que pretendia ser mãe, mas não naquele momento. Foi quando ele falou desta nova técnica nova. Ainda não tinha nenhum caso no Brasil, mas no mundo já existiam crianças nascidas desta forma. Como eu não queria engravidar naquele momento, poderia usar este método. Eu poderia ou não usar o óvulo, porque ele é apenas uma célula que pode ser descartada a qualquer momento, não é ainda uma vida. Eu pensei: por que não guardar? Foi quando eu decidi fazer o congelamento.
CRESCER - E o médico explicou os procedimentos? ZF - Ele falou que era uma técnica nova e que não tinha nenhuma garantia. Poderia dar certo ou não porque o óvulo fica numa temperatura negativa de 196º e o problema todo é na hora de descongelar. Já que é uma segurança ter esse poder de deixar seu óvulo congelado para quando você decidir ter seu filho, por que não guardar? Não dói, apenas financeiramente (risos).
CRESCER - Você já conhecia esta técnica? ZF - Não conhecia nada. Já tinha ouvido falar em bebê de proveta, de congelamento de embriões, mas de congelamento de óvulos não. Fiquei surpresa.
CRESCER - E não teve medo? ZF - Não. Sou muito corajosa, não tenho medo das coisas modernas. Afinal, a gente tem que tentar.
CRESCER - Como foi o procedimento? ZF - Em um domingo, fui na clínica com meu marido, e foi muito rápido. Eu me lembro de ter saído da clínica uma hora depois. Não senti dor, nem nada. Foi como um exame ginecológico normal.
CRESCER - Você contou para seus familiares? ZF - Como era uma coisa que ninguém conhecia, achava que não valia a pena contar para ninguém. Achava que era uma coisa particular entre meu marido e eu. Depois que engravidei foi difícil. O médico sabia da importância deste avanço não para mim, que poderia ter engravidado normalmente, mas para outras mulheres. No primeiro momento, não achei importante e disse que não falaria, mas depois o médico me explicou que eu poderia ajudar muitas mulheres, achei que era importante divulgar. Fui um pouco resistente.
Quando fiquei grávida, marcaram uma coletiva na clínica. Saiu em todos os jornais. No dia das mães fui homenageada porque seria a primeira mulher a dar à luz a um bebê de óvulo congelado no Brasil. Quando o bebê nasceu foi outra coletiva.
CRESCER - Como a sua filha lida com isso? ZF - A Julia adora aparecer. Quando falei que a Crescer tinha ligado pra mim ela perguntou: “E eu, mãe?”.
CRESCER - E ela sabe que é importante para a medicina do país? ZF - Ela sabe que foi gerada de óvulos congelados, mas não tem ainda consciência do que isso representa. Eu disse que ela ficou três anos congeladinha, depois tiramos ela do congelamento e colocamos na minha barriga.
CRESCER - Você ainda tem óvulos congelados? Pretende ter outros filhos? ZF - Não, o que eu tinha eu usei. No início até pensei, mas meu marido já tem três filhos. E a Julia nunca quis ter irmãos, ela diz que já tem os irmãos dela. Ela é muito ciumenta comigo e fala que me quer só pra ela. (risos)
CRESCER - Como foi a decisão de descongelar? ZF - Eu ia fazer uma viagem para o exterior e decidi deixar agendado o descongelamento para quando voltasse. Foi tudo muito simples e rápido, na clínica mesmo. Semanas depois já tive a confirmação de que estava grávida, na primeira tentativa! Eu me considero abençoada. O descongelamento foi no dia 9 de março de 2001 e a Julia nasceu no dia 2 de dezembro do mesmo ano.
CRESCER - E como foi a gravidez? ZF - A minha gravidez foi muito legal. Eu estava fazendo curso de Direito e até o quinto mês eu tinha muito enjoo depois de almoçar. Engordei menos de 10 quilos. Fui uma mãe muito cuidadosa e a Julia era muito saudável, gordinha, e teve cólica apenas uma vez.
CRESCER - O que você diria para as mães sobre o congelamento de óvulos e a gravidez depois dos 40 anos? ZF - Aqui em Vitória as pessoas ainda são meio céticas. Mas hoje em dia, com essa divulgação, depois de 7 anos que fiz o congelamento, está diferente. As pessoas já têm outra visão. Tem diversos casos que eu conheço que já tiveram esse cuidado. Acho importante porque a vida da mulher mudou muito, hoje ela trabalha, quer ser profissional, precisa buscar equilíbrio na vida financeira antes de ter um filho. Ela não está muito preocupada com casamento, e sim com a vida profissional, mas um dia ela quer ser mãe. O congelamento deveria ser mais divulgado para que mais mulheres possam ter esse privilégio.


Fonte: Revista Crescer

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