quarta-feira

Ultrassom: nova técnica promete fazer pais se sentirem dentro do útero

Foi a paternidade que despertou no médico Heron Werner a sensibilidade para entender a emoção de um exame de ultrassom. Especialista em medicina fetal, ele criou um meio para mães e pais fazerem uma "imersão" 360º dentro da barriga com ajuda de óculos de realidade virtual

Heron testando a tecnologia da realidade virtual para exploração das imagens intrauterinas (Foto: Arquivo pessoal)

Há 15 anos, em um congresso de medicina fetal em São Paulo, os aparelhos que mostravam imagens de ultrassom coloridas e em 3D eram a grande novidade. Todos os médicos e profissionais presentes queriam ver como eles funcionavam, mas o estande da empresa não tinha uma maneira adequada de fazer isso – ou seja, uma barriga com um bebê dentro. O médico obstetra Heron Werner, então com 38 anos, não teve dúvidas: chamou sua esposa Cristina, grávida de seu primeiro filho, e, assim como ele, também especialista em medicina fetal, para testar o aparelho. Só que o bebê não quis ajudar. Ficou de costas o tempo todo, mesmo com todos os esforços dos pais para que ele se mexesse e evitasse esse, digamos, vexame.
“Quando conto essa história, sempre falo que o Enzo já gostava de me contrariar desde aquela época”, brinca Heron sobre o filho, de 15 anos. Se a cena fosse hoje, o menino não teria escapatória: suas imagens no ultrassom seriam impressas em 3D, formando um boneco em tamanho real que todos poderiam ver e tocar. Sim, isso é possível graças à inovação dos exames obstétricos pensada pelo pai dele com ajuda de dois colegas da área de desenho industrial. Tudo começou em 2005, devido a uma parceria do Centro de Diagnósticos por Imagem (CDPI), onde Heron trabalhava, e o Museu Nacional da UFRJ. O grupo precisava reproduzir o que tinha dentro dos sarcófagos do acervo do museu sem abri-los. Para isso, utilizou técnicas como tomografia, ressonância magnética, ultrassonografia e impressão 3D (que imprime camadas de materiais sólidos como resina ou um pó similar ao gesso). Assim, foi possível tocar e estudar as reproduções das múmias, preservando as reais intactas.

Passado e futuro
Depois dessa experiência, Heron percebeu que a medicina podia se beneficiar muito da tecnologia de impressão 3D, principalmente as gestantes. Facilitaria para profissionais e pesquisadores estudarem o feto, identificando mais rápido e com mais precisão problemas ou doenças e essa foi a primeira função dos “bonecos”. Então, ele se lembrou da emoção que sentia nos dias de ultrassom do Enzo. E pensou nas grávidas com deficiência visual, que não podiam conhecer o filho nesse momento. Com a ultrassonografia e impressão 3D, isso se tornaria possível!

Heron buscou informações e firmou uma parceria com o Instituto Benjamin Constant (RJ), órgão público que atende deficientes visuais, para que eles encaminhassem pacientes, que são tratadas sem custo. “Depois de ser pai, entendo muito melhor a ansiedade das pacientes e sei que lido com elas de forma mais humana. Minha conduta na sala de exame mudou: me preocupo muito mais em despreocupar as pessoas, explicar se está tudo bem ou se não está e por quê”, conta.

O trabalho que Heron desenvolveu foi tão inovador que uma série de fetos impressos por ele e seus colegas em várias semanas de gestação faz parte hoje da coleção permanente do Science Museum, em Londres, e os visitantes podem vê-los e tocá-los. Um deles é o filho de um de seus parceiros de projeto, que estava grávido na época das pesquisas. Já Enzo, embora não tenha como ter sua vida intrauterina registrada dessa maneira (na época os ultrassons 3D não eram salvos com todos os dados necessários), também tem um boneco seu. “Eu fiz os registros dele todo e imprimi um boneco em tamanho bem reduzido, que ele adora mostrar para os amigos”, diz o pai.

Hoje em dia, além da impressão 3D, que pode se tornar uma lembrança querida para pais e mães, existe a possibilidade de explorar o interior do útero em três dimensões e 360° através de óculos de realidade virtual, como os utilizados em vídeo games. Para captar as imagens, o procedimento é igual ao do ultrassom, mas o processamento leva desde poucos minutos até uma hora, dependendo da posição do bebê. Ter essa experiência custa cerca de mil reais.

No tempo certo
Toda essa fascinação de Heron com a profissão e suas possibilidades faz compreender melhor suas escolhas na vida pessoal. Assim como muitos casais hoje, Heron e Cristina adiaram a experiência de serem pais. Ambos se formaram no fim dos anos 1980 e foram estudar e trabalhar na França. Casaram-se em 1992, no consulado brasileiro em Paris, no exato dia do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Na volta ao Brasil, a carreira e a estabilidade vieram antes dos planos de ter filho. Até que chegou o momento do “sim” ou “não” definitivo e eles perceberam que era uma experiência que queriam muito viver.

A gravidez veio rápido. Enzo nasceu em 2001 e mudou a vida do pai para sempre. A esposa e ele decidiram se mudar para mais perto do trabalho para não perder tempo no trânsito e também ganharam novos amigos – a maioria de fora da medicina. “Vim de uma família de médicos e passo tanto tempo trabalhando que meu círculo de amigos só tinha gente da área de saúde. E não adianta: os papos acabavam caindo para casos e pacientes. O Enzo me proporcionou conviver com outras pessoas, pais de amigos deles não médicos, e isso é muito bom! Você amplia seus horizontes, conhece outras opiniões. Além de ser prazeroso, ajuda até a ter ideias novas em seu próprio meio profissional”, diz.

Assista aqui e veja como a experiência de realidade virtual funciona.


Fonte: Revista Crescer

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