terça-feira

Bebê pensa, tem ideias e, melhor, as comunica


Os bebês são, realmente, incríveis! Não há quem não se encante com eles. Como dizia um tio meu, em torno de um bebê inteligente há sempre dezenas de adultos babões, repetindo tatibitates ou balbuciando infantilmente, como a aproximar-se daquilo que imaginam lhes fazer contentes. Talvez seja uma reação projetiva, talvez os adultos assim buscam, na repetição daquilo que imaginam ser a linguagem da criança, aproximar-se de sua beleza interior para dela nutrir-se.

Tive uma experiência interessante com um desses pequenos humanos que me fez pensar diferente. Liz é uma bebê encantadora! Com seus olhos azuis acesos no alto de seus 8 meses, filma de cima abaixo o que encontra ao redor e, em geral, não se afasta mais do que alguns passos da presença da mãe. Ontem, porém, foi diferente. Deparamo-nos, por alguns minutos, eu e ela sozinhas em seu quarto, enquanto a mãe cuidava de sua irmã Stella. Liz estava deitada em seu berço e, quando me viu, virou-se de bruços a esconder o rosto. Deu um sorriso como a me reconhecer. Chamei-a pelo nome e aguardei o próximo passo. Ela, então, virou-se para mim, sorriu e repetiu o gesto de esconder-se tantas vezes quanto eu respondi com interesse.

Ao ouvir a voz da mãe, iniciou a choramingar e a brincadeira terminou. Não fui eu quem a iniciou. Apenas atendi a seu pedido de interação, que continuou durante o resto do dia em nossa visita familiar à exposição de desenhos de Michelangelo, na Ontario Galeria de Arte. Com curadoria benfeita no estabelecimento de nexos entre Michelangelo e Rodin, as três pequenas salas do museu distribuíam com boa visibilidade desenhos e rascunhos de Michelangelo ao lado de algumas obras de Rodin, dentre elas uma réplica pequena de seu “O Pensador”.

Com Liz no colo, apresentei a ela a grande obra. Abriu os braços, tentando tocá-la e balbuciava algo em minha direção. Também olhava ao redor, buscando nos outros visitantes a aprovação, como a dizer que também gostava muito do que via. Passamos um bom tempo nessa obra e, aos poucos, ao vagarmos pelas salas, foi descobrindo diferenças nos desenhos e nas esculturas que observava. Quem disse que bebê não pensa, que não tem ideias e que não as comunica? Pensei no que havia acontecido: mais do que intentar ensinar-lhe algo, apenas compartilhei com Liz um de meus programas prediletos, que é ir a uma exposição e me deleitar com as produções sensíveis e belas da História da Arte.

Falei pouco, estimulei pouco, apenas a deixei estar no mesmo espaço e atendi a seus pedidos: aproximar-se de uma das obras, confirmar que também eu, adulta, gostava do que via, perguntando se queria chegar mais perto ou ficar longe. Lembrei-me do meu tio. Não babei nem a pressionei, apenas fiquei junto dela, curtindo sua deliciosa companhia. Não posso dizer exatamente o que sentiu ou pensou, pois sequer tentei controlar suas ações. Observei, apenas, seu desejo em conhecer.

Sua curiosidade e sua capacidade plástica a adaptar-se ao mundo que os adultos lhe apresentam com afeto se refere, talvez, à famosa afirmação de Picasso de que “todas as crianças são artistas. O problema é como manter esse artista uma vez que elas cresçam”. Como Liz, toda criança é mais do que engraçadinha, ela é criativa, curiosa, investigativa e tem fome de aprender. É nova no mundo da cultura e dos afetos humanos. Quer conhecê-los e tem uma forma própria de fazê-lo.

No entanto, estudos têm mostrado que a maioria delas perde parte ou quase toda sua capacidade de surpreender-se e criar na medida em que adentra esse mesmo mundo adulto. Sabe-se, há muito, que dentre crianças entre 3 a 5 anos, a grande maioria apresenta pensamento divergente e habilidades criativas. Aos 10 anos, mais de 50% delas perde essa capacidade e quase nenhuma delas será criativa e curiosa aos 25 anos. Como evitar essa tragédia?

Um bom começo seria pararmos de pressioná-las com altas expectativas e medições. Dispor um pouco mais de tempo para o ócio e compartilhar com elas ambientes ricos em formas, cores, sons, texturas, textos e enredos. Isso pode nos dar, a ambos, crianças e adultos, pistas para construir sentidos e significados da vida. Pensando em Liz, com certeza, nossa experiência somou-se a tantas outras que já teve e poderá ter, ao longo da vida, contribuindo para constituir-se em uma pessoa bacana, atenta a tudo e a todos. Pensando em Liz, partilhar da cultura com tempo e afeto pode nos apaziguar e nos permitir perguntar mais e afirmar menos. Na dúvida, escutar...

Gisela Wajskop 

Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Colunistas/

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