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Ambiente hospitalar? Nada disso. Conheça as vantagens das casas de parto

Ainda raras no Brasil, elas estão se tornando objeto de estudo nos cursos de arquitetura. Saiba por que elas podem ser uma boa opção para você

O Halcyon Birth Centre, na Inglaterra, é um centro público de parto normal. No ano passado, o local recebeu um prêmio do Royal College of Midwives (Colégio Real de Parteiras, em tradução livre) (Foto: Michel Filho)
Você já se perguntou como seria o ambiente ideal para ter seu filho? Opção A: uma sala toda branca, maca e focos de luz cirúrgica. Opção B: uma suíte aconchegante, com decoração caseira, cama de casal, banheira, cores suaves, iluminação natural e música ambiente. Ainda que a segunda alternativa soe mais atraente, a maioria dos bebês brasileiros ainda nasce em ambientes hospitalares, frios e pouco confortáveis. Mas essa realidade está mudando, graças aos movimentos em prol do parto humanizado e contra a violência obstétrica,  uma preocupação que começa muito antes do atendimento em si e tem início na concepção arquitetônica do espaço.

O debate sobre humanização foi parar até nas salas de cursos de arquitetura. Durante o primeiro semestre deste ano, uma turma da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi incentivada a criar um projeto de Centro de Parto Normal (CPN). “Todo o grupo se interessou. Os arquitetos se inspiram mais quando o tema tem fundo social. Esse assunto desperta o lado humano da arquitetura”, diz a aluna Ana Letícia Gonçalves.

Segundo ela, os estudantes buscaram manter a privacidade da mulher e o contato com a natureza nos projetos. A intenção era criar ambientes seguros como um hospital, mas que transmitissem conforto em vez de impessoalidade. Essa temática foi proposta aos alunos para debater a humanização e, com isso, contribuir para a formação dos futuros arquitetos, assegurando locais de nascimentos mais receptivos e calorosos.
Não é a primeira vez que o tema vira projeto nessa universidade. Há dez anos, em 2004, o professor de arquitetura Américo Ishida perguntou aos alunos quantos deles haviam nascido de parto normal. De uma sala de 40, apenas dois ergueram a mão. Percebendo que a situação era preocupante, resolveu ministrar aulas de projeto de casa de parto – não são dele as aulas atuais. “Convidei médicos e militantes do parto natural para me ajudar. A percepção dos alunos mudou bastante”, conta.

Naquele mesmo ano, sob orientação do professor, a então estudante Maíra Queiroz desenvolveu o projeto arquitetônico de uma casa de parto para o Hospital Universitário da UFSC,  como trabalho de conclusão de curso. “Tive muita influência do meu pai, que é obstetra e defende o parto humanizado”, lembra. A arquiteta diz que idealizou ambientes confortáveis, com controle de luz. “A recepção tem formas retas e, ao adentrar a área das salas de parto, a construção fica mais orgânica, sem quinas, em  alusão a um ninho”, explica. As ideias de Maíra, entretanto, nunca foram concretizadas.

Recentemente, a estudante Cristina Sternadt, da mesma universidade, projetou uma maternidade completa, incluindo centro cirúrgico, tudo com ênfase na humanização. Cristina utilizou o conceito dos quartos “PPP” – ambiente privativo adaptado à mulher e a seu acompanhante – e criou espaços de convivência para os familiares que acompanham a gestante,  com biblioteca, salas de estar, pátio, sala de atividade física e de trabalhos manuais. "O que me incentivou é o aumento preocupante do número de cesáreas no Brasil. Acredito muito no conjunto arquitetura e saúde. O ambiente pode proporcionar a cura e influencia, inclusive, no humor”, diz.  Embora o projeto não tenha saído do papel, ela está certa, como mostram diversas pesquisas sobre o tema.
Um dos estudos pioneiros sobre arquitetura e saúde foi feito nos anos 1980 pelo psicólogo ambiental Roger Ulrich, nos EUA, com pacientes que se recuperavam de uma cirurgia na vesícula: aqueles cujo quarto tinha vista para um jardim precisavam de menos analgésicos e deixavam o hospital até um dia antes que os demais. A tese de mestrado da arquiteta Anne Ketherine Matarazzo, da FAU-USP, sobre o uso de cores nos hospitais, também confirma o impacto do ambiente sobre os pacientes.  “Sabemos que as cores interferem na liberação de hormônios e, por consequência, no bem-estar”, diz.

Vantagens das casas

“A arquitetura tem importância estratégica para o parto. O ambiente atua como encorajador. Como ficar em um quarto branco e frio, sem nenhum estímulo? É preciso temperatura adequada, proteção acústica e luminosidade confortável”, opina o arquiteto Fábio Bitencourt, professor de pós-graduação em arquitetura de ambientes de saúde nas universidade federais do Rio de Janeiro e Bahia (UFRJ e UFBA), e autor do livro Arquitetura do Ambiente de Nascer (Ed. Rio Books).

Hoje, as mulheres que desejam parir de forma natural e gratuita recorrem às casas de parto do Sistema Único de Saúde (SUS). Criadas oficialmente em 1999, elas lembram uma residência e só aceitam gestantes de baixo risco. Os nascimentos acontecem sob supervisão de enfermeiras obstetras e não há médicos de plantão. Por isso, é obrigatório que o local seja integrado a um hospital ou fique próximo a uma maternidade, para que a mulher ou o bebê sejam socorridos em casos de emergência.
Bitencourt participou do projeto do primeiro CPN na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Realengo. “Queríamos uma planta simples, para trazer o conceito de residência”, diz. A unidade, chamada David Capistrano Filho, foi inaugurada em 2004 e funciona até hoje, com uma média de 20 a 25 partos por mês.

Nas suítes do centro carioca, colchas coloridas e almofadas compõem o ambiente. A rede de oxigênio e outros equipamentos que podem ser necessários estão lá, à disposição da equipe, mas ficam “disfarçados” pela decoração. Durante o trabalho de parto, a mulher tem liberdade de caminhar, alimentar-se e escolher a posição que considera mais confortável – o que raramente acontece em hospitais. Na banheira, é possível encontrar alívio para as dores. O nascimento também pode acontecer ali. A grávida ainda pode levar um pendrive com as músicas que deseja ouvir, escolher como quer estar vestida e decidir quem irá acompanhá-la (direito garantido pela lei nº 11.108, de 2005). Aromaterapia, bola suíça e massagem também estão entre os recursos usados para amenizar as dores. “Nós ouvimos os medos da gestante e tentamos acalmá-la, usando nossos recursos”, diz a enfermeira obstetra Leila Azevedo, diretora da unidade.

Na prática

Atualmente, há 18 casas de parto no País, incluindo os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia, Alagoas, Paraná, Ceará, Paraíba e Sergipe – nenhuma delas é privada. O número é pequeno, considerando-se o tamanho do Brasil, mas tende a aumentar. No ano passado, o Ministério da Saúde divulgou que previa liberar R$ 165 milhões em 2014 para investimento e custeio de CPNs no Brasil – valor suficiente para criação de 280 centros. No entanto, apenas 18 novas unidades, distribuídas em 12 estados, serão efetivamente inaguradas neste ano e há outras 117 propostas, segundo o órgão. Entre os centros de parto previstos para o futuro, mas ainda sem data definida, estão oito unidades na cidade de São Paulo (SP), que vão funcionar associadas a hospitais, como informa a prefeitura. Os projetos paulistas aguardam liberação do ministério. Cada um terá cinco quartos e capacidade para realizar, no mínimo, 150 partos por mês.
As casas de parto existentes parecem cumprir bem sua função, já que a experiência têm agradado muitas mulheres. A atriz Gabriela Lima, 21 anos, é uma delas. A distância de um hora de carro de sua residência não foi problema para ela dar à luz na Casa de Parto Sapopemba, na zona leste de São Paulo (SP). “Pago convênio e poderia ter o bebê em um hospital, mas queria fazer parto normal”, conta. O filho Gael nasceu em dezembro de 2013. Além de elogiar a estrutura, ela destaca que se sentiu respeitada. “Foi um parto doloroso, mas sentia prazer e felicidade ao mesmo tempo.” Gabriela foi o centro das atenções, pois era a única mulher em trabalho de parto naquele dia.

Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, a Casa de Parto Sapopemba tem capacidade para realizar 60 partos por mês, o que totaliza 720 partos anuais. Mas, no ano passado, aconteceram apenas 155 nascimentos na casa. “Atribuo a baixa procura a questões culturais, medo e desconhecimento sobre a fisiologia do parto”, afirma a enfermeira obstetra Kátia Guimarães, coordenadora da unidade. De acordo com ela, o perfil de mulheres varia. “Independentemente da situação econômica, elas nos procuram por acreditar na filosofia do parto humanizado”, diz. A distância das unidades pode ser um impeditivo, já que a maioria fica em bairros distantes e, em geral, mais pobres.
Vale lembrar que o Brasil é o país com o maior número de cesáreas desnecessárias do mundo, de acordo com um levantamento da ONU de 2010. Naquele ano, 45,9% dos partos foram cirúrgicos – mas o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é apenas 15%. Os dados mais recentes do Ministério da Saúde são parecidos: de janeiro a novembro de 2013, nasceram 2.557.445 crianças no Brasil, apenas 1,1 milhão (ou 43%) de partos normais. Nesse cenário, a implantação de casas de parto representa uma esperança para a humanização no país. Os CPNs brasileiros têm como referência experiências de países como Holanda, França e Inglaterra.

Os números ingleses, aliás, revelam que o país é um bom modelo. Lá, apenas 22% das crianças nascem de cesárea e há 114 centros de parto normal (74 públicos). O Halcyon Birth Centre, por exemplo, onde acontecem 1.500 partos naturais por ano, recebeu o prestigiado prêmio do Royal College of Midwives (associação nacional de parteiras) por sua arquitetura privilegiada. Cada suíte é equipada com cama de casal (para os parceiros ficarem juntos durante e após o parto), varanda com jardim e uma espaçosa banheira. Também há uma variedade de acessórios para a mulher testar posições e escolher sua favorita para parir, além de serviços de massagem.
Fora da Europa, um dos países que preza pela humanização do parto é o Canadá, onde 74% dos nascimentos são normais. Inaugurado no começo do ano, o Toronto Birth Centre, que presta assistência gratuita, tem capacidade para 450 partos anuais e quartos que lembram um hotel. Entre as facilidades, estão lareiras elétricas, bolas de parto, apoios nas paredes, iluminação suave e óxido nitroso (gás anestésico) para alívio da dor. Para o Brasil, fica a inspiração e a necessidade de apostar nesse modelo. Independentemente de onde e como o bebê vai nascer, é fundamental que a mãe se sinta acolhida.

Quando não é indicado

É importante lembrar que, para ter o bebê em uma casa de parto, a gestante deve ser considerada de baixo risco. Isso significa que a gravidez tem de ser única (apenas um feto) e o bebê deve estar na posição cefálica, isto é, de cabeça para baixo. Outro requisito diz respeito a gestações anteriores: quem já fez cesárea não pode dar à luz em casa de parto. Embora isso não seja indicativo obrigatório de mais um parto cirúrgico, há risco baixo de ruptura uterina durante as contrações. Além disso, os exames de pré-natal devem estar normais e a mulher não pode ter doenças prévias ou gestacionais, como diabetes e hipertensão, que normalmente aumentam as chances do parto terminar em cesárea.

O que define uma casa de parto normal
Quem tiver interesse em dar à luz em uma casa de parto deve buscar uma unidade com o exames do pré-natal em mãos durante a gravidez. A medida é exigida para que as condições
gerais da grávida sejam avaliadas com antecedência e ela receba orientações (como cursos e oficinas) sobre o parto. Entre as características principais de cada centro brasileiro estão:

1. Quartos “PPP”: espaço privativo para cada mulher e o acompanhante, destinado ao pré-parto, parto e pós-parto, com banheiro anexo

2. Pelo menos uma banheira para uso durante o trabalho de parto

3. Equipamentos para alívio de dor e estímulo ao parto, como o arco de suporte, a bola e a banqueta de parto vertical

4. Área para a gestante caminhar durante o trabalho de parto

5. Capacidade de realizar, no mínimo, 480 partos por ano

6. Equipe deve ser formada por enfermeiros obstetras, técnicos de enfermagem e auxiliar de serviços gerais

7. Ambulância disponível 24 horas, para casos de emergência,
se instalada fora de um hospital.


Fonte: revista crescer

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