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Episiotomia: precisa mesmo?

Já faz tempo que esse corte realizado na região do períneo, para facilitar a saída do recém-nascido, vem criando polêmica. Afinal, as mulheres precisam desse procedimento cirúrgico ou há abuso por parte dos médicos? Veja o que você precisa saber antes da hora do parto


Uns dizem que é mutilação, desrespeito à mulher. Outros afirmam que o procedimento é simples e, muitas vezes, necessário. Mas não param de surgir histórias escabrosas sobre as consequências que uma episiotomia – corte na área entre a vagina e o ânus chamada de períneo – malfeita pode causar. Foi o caso da cantora de ópera Amy Herbst que, no início do ano, processou o governo dos Estados Unidos por causa dos danos que a cirurgia realizada pelo Hospital Militar de Kentucky trouxe para a sua carreira. De acordo com a cantora, o corte foi feito sem sua autorização e não cicatrizou direito. Como consequência, ela não consegue controlar seus movimentos intestinais enquanto canta e sofre com flatulências e vontade de defecar.
Caso isolado ou não, o fato é que a episiotomia está longe de ser uma unanimidade entre médicos e pacientes. A ideia de intervenção cirúrgica para ampliar o canal vaginal e, assim, facilitar a saída do bebê foi difundida pelo obstetra irlandês Fielding Ould, no século 18. No entanto, foi só na década de 1950, com ampliação das anestesias e novos procedimentos de esterilização, que a técnica, combinada com o uso de fórceps, se popularizou e passou a ser sinônimo de parto bem-sucedido: acreditava-se que evitava tanto uma lesão perineal maior na mãe quanto sofrimento do feto.

Com a explosão dos movimentos feministas e da humanização do parto, nos anos 1970 e 80, alguns profissionais começaram a questionar o procedimento. Em 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recrutou pesquisadores do mundo todo para desenvolver uma orientação sobre as melhores ações na condução do parto normal, baseada em evidências científicas. Pelo documento, o uso liberal e rotineiro de episiotomia foi encaixado na categoria de “práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado”. Com isso, a tendência é diminuir os procedimentos.
Aqui no Brasil, porém, a taxa é alta. Dados recentes divulgados pela pesquisa Nascer no Brasil, feita com mais de 23 mil mulheres pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Ministério da Saúde, revelaram que, entre as entrevistadas que tiveram parto normal, mais da metade (53,5%) passaram por episiotomia. Em mulheres de baixo risco obstétrico, essa taxa foi ainda maior, 56%. “A desinformação dos médicos é a maior responsável por esse índice. Há uma tendência de continuar a fazer o que se aprendeu na época da formação, mas, na medicina moderna, é preciso ficar de olho em novas evidências científicas e se atualizar constantemente”, defende a professora de epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública, Maria do Carmo Leal, uma das envolvidas na pesquisa.

Mas, afinal, o corte é realmente necessário? Quais são os riscos da episiotomia? Existem alternativas? Descubra essas e outras respostas a seguir.

Casos indicados
O bebê que nasce de parto normal desce pela parte óssea da mulher (a bacia) e pelas chamadas partes moles (cérvice, vagina e região vulvoperineal), que compõem o canal do parto. Embora não existam recomendações formais, a episiotomia geralmente é indicada para mulheres com rigidez no períneo, parto pélvico (quando o bebê está sentado), sofrimento fetal e macrossomia (excesso de peso do bebê) ou, ainda, em parto de prematuros – já que a cabeça ainda não está completamente formada, a ampliação cirúrgica ajuda a evita hemorragias cranianas. Estes casos representam 10% dos partos normais, de acordo com a OMS.

Complicações
A episiotomia é um pequeno procedimento cirúrgico. Basta um corte na região perineal e, após a passagem do bebê, sutura. Se tudo der certo, a cicatrização leva cerca de seis semanas, período em que a mulher deve evitar esforços e relações sexuais. Quando os pontos não são feitos corretamente, porém, há risco de fibrose, dor prolongada, dificuldade de cicatrização e perda da sensibilidade na região. Alguns estudos da Biblioteca de Cochrane (ONG mundial que revisa publicações da medicina) mostram que a episiotomia pode trazer complicações graves, como laceração e frouxidão na região perineal, que, por sua vez, levam a problemas intestinais (caso de Amy Herbst!) ou, até mesmo, na contenção de órgãos como o intestino. Por outro lado, se a episiotomia não for realizada e houver rompimento extenso, as consequências podem ser as mesmas que as da incisão malfeita.

A informação vem antes
A hora certa de fazer o corte é quando a cabeça do bebê já está aparecendo. Mas os indícios de que a mulher vai precisar passar por uma episiotomia aparecem durante o pré-natal. Por isso, o ideal é que a mãe seja informada pelo médico sobre a necessidade de fazer a incisão. E tem todo o direito de recusar, desde que ciente das consequências.

É possível evitar?

Muitos especialistas já aboliram a prática, como a obstetra Melania Amorim, do Instituto de Medicina Prof. Fernando Figueira (PE), que não realiza episiotomia há 14 anos em nenhum caso. “Não há respaldo científico para as supostas indicações. Há evidências de que a incisão aumenta o risco de lesão perineal sem benefícios.” Existem estratégias para deixar a musculatura mais elástica e facilitar o parto normal, como massagem e pompoarismo. Até exercícios físicos mais leves, como caminhada, ajudam.


Fonte: revista Crescer

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