terça-feira

Prefeitura de São Paulo irá regulamentar a prescrição de remédios para crianças com TDAH

Publicada em junho, a nova Portaria do município diz pede que o tratamento medicamentoso seja indicado após avaliação de uma equipe multidisciplinas de médicos de várias áreas. Algumas associações de médicos são contra a medida. Entenda a polêmica.


Em 12 de junho, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo publicou a Portaria 986/2014, que regulamenta o uso do metilfenidato na rede pública. O remédio é um estimulante do sistema nervoso central e, no Brasil, é praticamente a única alternativa farmacológica utilizada no tratamento de crianças diagnosticadas com Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

De acordo com a nova portaria, que passou a valer na data da publicação, “o tratamento medicamentoso deve ser considerado somente depois do levantamento detalhado da história da criança ou jovem e avaliação por equipe multidisciplinar em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) Infantil ou serviços com vínculo com o SUS, combinado com intervenções terapêuticas de natureza psicossocial e de educação”.

A medida vai ao encontro de algumas pesquisas internacionais e alguns especialistas - entre eles o psicólogo Alan Sroufe, do Instituto de Desenvolvimento da Criança da Universidade de Minnesota, EUA - que acusa a prescrição indiscriminada do metilfenidato a crianças com TDAH, mesmo sem comprovação científica de resultados e podendo causar, a longo prazo, reações adversas das mais variadas, como surtos psicótivos, transtorno de bipolaridade e até dependência química. 

Em conversa com a CRESCER, o médico da assistência farmacêutica da Secretaria Municipal da Saúde e um dos redatores da medida, José Rubens de Alcântara Bonfim, esclarece que a nova portaria exige uma avaliação mais ampla do caso de pacientes antes de se optar pelo tratamento medicamentoso.  “Não é uma portaria restritiva, é uma regulamentação que melhora a portaria anterior, de 2007, que era muito voltada à medicação”, diz

A Portaria contribuirá também para a diminuição de gastos da Prefeitura com a medicação. “Essa disponibilidade [do metilfenidato] não vem lá do governo federal ou do Estado. Ele é adquirido com recursos próprios da Prefeitura de São Paulo para ser utilizado em programas de atenção à saúde mental e nos Centros de Atenção Psicossocial e Infantil”, diz.

Associações médicas são contrárias à medida
Alguns órgãos e associações médicas, porém, estão se preparando para publicar uma carta-aberta em protesto contra a medida. A maior crítica é em relação à necessidade de submeter o paciente a uma equipe (formada por médicos, psicólogos, psicopedagogos, entre outros), invalidando a decisão do psiquiatra e exigindo a contratação de novos profissionais para cuidar dos pacientes.

Um dos líderes do manifesto é o Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva. Para ele, o documento esbarra no conceito de acesso universal à saúde, oferecido pelo SUS. “O Estado já não garante tratamento adequado para quem está doente. Inventar que o diagnóstico médico especialista não basta é ridículo. Quem dá o diagnóstico é o médico, esse patrulhamento é preconceituoso”, diz.

O neuropediatra Mauro Muskat, coordenador e criador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Interdisciplinar (NANI) da Unifesp concorda: “Isso, pra mim, é desqualificar toda a equipe de médicos e profissionais de saúde que trabalham para a prefeitura. Além disso, a portaria é injusta porque fará os pacientes que precisarem da medicação passar por processos extremamente burocráticos. A gente sabe da dificuldade de conseguir um atendimento e os medicamentos pelo SUS”.

Os especialistas defendem que a melhor maneira de combater o uso indevido de medicação é investir na formação e reciclagem dos profissionais da saúde e aumentar a fiscalização da obtenção de medicamentos no Brasil, uma vez que as farmácias pouco dispõem de meios para avaliar a autenticidade do receituário médico.

“O número de pessoas com TDAH tratadas no Brasil é muito menor do que deveria. Isso porque, infelizmente, as pessoas não têm acesso ao tratamento. Se meu filho tem TDHA onde posso levá-lo? Onde vou marcar consulta? A mãe faz essa pergunta e o município não responde. Por isso essa medida é puramente ideológica”, reforça o presidente da ABP.

O porta-voz da prefeitura nega que o processo será mais lento e burocrático. “Essa equipe multidisciplinar já existe e faz esse trabalho nos Caps [Centro de Atenção Psicossocial] infantis”, diz. “Em um município como São Paulo, os serviços de saúde nem sempre são suficientes porque há uma demanda crescente. Mas, se houver crianças que necessitam de remédio, nós garantiremos”.

A polêmica do metilfenidato
O Brasil é o segundo maior consumidor de ritalina, atrás apenas dos Estados Unidos. Um levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2013 apontou que as vendas de mefilfenidato aumentaram quase 75% para crianças e adolescentes de 6 (idade mínima recomendada para prescrição) a 16 anos, no período de 2009 e 2011. Os números de distribuição pelo SUS não foram avaliados no levantamento.

Apesar disso, não há como saber se a pesquisa reflete um aumento no diagnóstico de TDAH no país. A Anvisa se diz preocupada com a questão por ser um medicamento de uso controlado, por isso, é fundamental que seja comercializado de forma adequada. 
Uma das polêmicas em torno da substância é que ela, como todo estimulante do sistema nervoso central, pode causar efeitos devastadores. Tanto que o órgão norte-americano responsável pelo controle de alimentos, cosméticos e drogas, Food and Drug Administration (FDA), classifica o metilfenidato como narcótico, ou seja, “substância com alto potencial para abuso e com efeitos similares aos da cocaína e das anfetaminas”.

A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Aprendizagem e Desenvolvimento do Centro de Investigações em Pediatria da UNICAMP, nunca receitou o medicamento para seus pacientes. “Ele tem muitos efeitos não desprezíveis, que incluem sonolência à insônia, surtos psicóticos, depressão, dor de cabeça, confusão, piora da cognição, efeito zumbi (a criança fica contida em si mesma), arritmia, hipertensão, perda de apetite, boca seca e há casos de parada cardíaca. Sem contar que interfere também no sistema neuroendócrino e é comprovado que as crianças crescem menos depois do tratamento. A secreção de hormônios sexuais também é afetada”, diz.

Além disso, há uma corrente de médicos, da qual a pediatra faz parte, que defende que as vantagens do metilfenidato para o tratamento do TDAH não são cientificamente comprovadas. Um dos maiores levantamento sobre o assunto foi um trabalho de metanálise [comparação de estudos] feito pela Universidade de McMaster, no Canadá . Ao comparar todas as publicações sobre o tratamento de TDAH de 1980 a 2010, apenas 12 trabalhos (de dez mil) preencheram critérios de cientificidade. “O que eles encontraram foi que a orientação familiar tem alta evidência de bons resultados enquanto o medicamento tem baixa”, explica a pediatra.

Um diagnóstico difícil
A OMS (Organização Mundial de Saúde) junto com a Associação Americana da Psiquiatria estima que de 5% a 8% de crianças e adolescentes em todo o mundo tenham TDAH. As entidades calculam que pelo menos duas crianças de uma sala de aula de 40 alunos sejam portadores. Porém, o diagnóstico não é assim tão simples.

Para que se tenha a confirmação, os médicos submetem os pacientes a dois principais manuais de critérios diagnósticos de uso recorrente. São eles:  “Classificação Internacional de Transtornos Mentais e Comportamentais” e “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”.

Baseado nessa classificação, uma criança deverá ser diagnosticada se responder positivamente para os cinco critérios abaixo:

1. Pelo menos seis sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade devem persistir durante pelo menos seis meses a um ponto inconsistente com o desenvolvimento normal;
2. Alguns sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos de idade;
3. Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (p. ex., na escola ou trabalho e em casa);
4. A deficência deve ser clinicamente significativa em relação ao desempenho social, acadêmico ou ocupacional;

5. Não deve ocorrer exclusivamente durante o curso de um transtorno invasivo do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro distúrbio psicótico.

Fonte: revista Crescer

Nenhum comentário:

Postar um comentário