quarta-feira

O emocional pode impedir o parto normal?

Medo do parto é um sentimento comum de toda gestante, claro. Mas e quando isso se transforma em pânico a ponto de prejudicar a vida de mãe e bebê?
Bruna Menegueço



A vida dá voltas, você sabe bem. Em uma dessas, Elaine* foi demitida do emprego. Separou-se do marido e desenvolveu síndrome do pânico. Algum tempo depois, voltou a procurar sua obstetra em desespero. Estava grávida. O pai da criança a abandonara, a família a recriminava.

Por conta dos remédios fortes que tomava, estava preocupada com risco de má-formação do bebê. E mais: Elaine perdeu o convênio médico e não tinha condição sequer de pagar por um ultrassom. Assim, não pode fazer o acompanhamento da gravidez com sua ginecologista até então, a doutora Carolina Ambrogini, de São Paulo. Foi, então, que passou a fazer o pré-natal em um hospital público, com outra especialista.

Morando de favor na casa do ex-marido, a aproximação do parto deixou Elaine ainda mais abalada, com crises de insônia e ansiedade. O pânico era por ter de fazer o parto normal. Diante do desespero de sua paciente, a ginecologista Carolina Ambrogini, de São Paulo, decidiu escrever uma carta à obstetra, responsável pelo pré-natal de Elaine, informando a situação de sua paciente. A especialista ressaltava o pedido de um parto cesárea para amenizar a fobia de Elaine por parto normal.

No entanto, a especialista que agora acompanhava a grávida foi taxativa: cesárea só com indicação! E crises de pânico e insônia não são consideradas indicações para a cirurgia. Nesse momento, Elaine quis abandonar o pré-natal. Assim, Carolina pediu um favor pessoal à plantonista para que fizesse a cesárea de Elaine. E conseguiu!

Cada parto, uma história

Falar de parto normal e cesárea é uma discussão antiga e uma das decisões mais difíceis da gravidez. Mesmo as gestantes que não passam por dificuldades durante a gravidez podem se sentir inseguras. Mas até que ponto o lado emocional tem de ser considerado um impedimento para o parto normal?

Para o ginecologista e obstetra Abner Lobão, da Universidade Federal de São Paulo, após esgotar todas as possibilidades de convencer a gestante sobre os benefícios do parto normal - que sempre deve ser considerado - e diante dos problemas emocionais da gestante, é hora de trabalhar com a possibilidade de um parto cesárea. “Não é porque a doença não é visível, como uma perna quebrada, que não pode ser considerada indicação para o parto cirúrgico”, diz o especialista.

O papel do profissional que acompanha a mãe, segundo o obstetra Eduardo de Souza, do Hospital e Maternidade São Luiz (SP), é orientar sobre as opções de parto e estar apto a dar toda a assistência, mas essa decisão deve ser da mulher, levando em conta a experiência que quer viver, seus medos e vontades. "O lado emocional abalado é capaz de impedir o sucesso do parto normal. A paciente descarrega tamanha tensão na corrente sanguínea que a dilatação não acontece", diz.

Durante a gravidez, a mulher fica ainda mais sensível em relação às emoções por causa das oscilações hormonais, junto com a insegurança e os medos da novidade de se tornar mãe. “Se a gestante já passou por algum tipo de trauma ou desenvolveu um medo por parto normal, o efeito do estresse não vai permitir que ela entre em trabalho de parto. E mais: o estresse pode causar transtornos emocionais ao bebê”, diz a terapeuta de família Ana Lúcia Castello, do Hospital Infantil Sabará (SP). O pânico pode, ainda, se estender no pós-parto, prejudicando a amamentação e deixando a mulher mais suscetível a ter depressão.

Para vencer o medo

Mas isso não significa que a cesárea seja a única – e melhor – opção para as mulheres com o emocional fragilizado. “Com o tratamento psicológico adequado, informação sobre os riscos e benefícios, apoio do médico e da família e anestesia para que a gestante não sinta dor, é possível mudar de ideia e ter sucesso com parto normal”, diz Lobão. De quebra, essa mulher, ao vencer um obstáculo tão grande para ela, pode se tornar uma pessoa muito mais segura em sua vida e com o bebê também.

Foi assim com a leitora Talita Salustiano, que comentou sobre o assunto no Facebook da CRESCER. “Eu sempre tive medo de parto normal, por isso, decidi logo marcar a cesárea. Durante a gravidez, meu obstetra conversou muito comigo sobre os benefícios do parto normal, e, como uma peça do destino, minha filha nasceu dois dias antes do previsto e de parto normal", conta. "Eu me senti capaz, foi importante para mim.”

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A obstetriz Ana Cristina Duarte, coordenadora do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa, por outro lado, é bem enfática em sua opinião. Para ela, não existe nenhum motivo para a mulher escolher o tipo de parto, nem mesmo uma depressão ou qualquer outro problema que abale o emocional. “O parto normal é instintivo. Ele é como a digestão, você não escolhe como ela deve ser feita. Ela simplesmente acontece”, diz. São apenas dois, segundo a obstetriz, os motivos que pedem indicação de cesariana: quando o bebê está sentado e quando a placenta tampa o cólo do útero.

Independentemente do tipo, o conceito de normal vai além: envolve uma experiência onde tudo corre dentro do esperado, com a mãe o bebê em boas condições. "Por isso, o mais importante é respeitar a história de vida de cada gestante, seus medos, desejos e angústias e fazer o melhor para trazer ao mundo com saúde uma nova vida”, resume a ginecologista Carolina.

*O nome foi trocado para preservar a identidade da personagem.

Fonte: Revista Crescer

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