Não adianta negar. Quem nunca discutiu pelas tarefas de casa e as responsabilidades com as crianças? E vamos ser realistas. As mulheres são as que mais gastam tempo com isso. Ninguém gosta de ficar reclamando, mas as mães, ainda hoje, ficam com boa parte do trabalho – quando não com o pacote completo. Nos Estados Unidos, esse debate ganhou fôlego graças ao casal Marc e Amy Vachon. Cansados de brigar pelas mesmas coisas sempre (!), eles decidiram colocar em prática um projeto, o Equally Shared Parenting (algo como Divisão Igualitária de Tarefas, em tradução livre), em que os dois se responsabilizam igualmente pelos afazeres domésticos e os cuidados com os filhos, Maia, 8 anos, e Theo, 5. A mudança chegou, claro, à vida profissional. Cada um fez ajustes na rotina de trabalho para que o plano de dividir tudo (e ainda ter um tempinho para tocar projetos pessoais) funcionasse. Vendo que o projeto dava certo, casais amigos passaram a pedir dicas para os dois. Para dar conta dos pedidos, eles criaram um blog e, mais tarde, um site (http://equallysharedparenting.com). Com esse material em mãos, eles aproveitaram para lançar um livro, que tem o mesmo nome do projeto. A obra traz muitas dicas e discute o papel de cada um. É importante dizer que se na sua casa o esquema é outro, e funciona para vocês, tudo bem. Em entrevista à CRESCER, Marc e Amy contam como fazer você pode fazer dar certo. E eles acreditam, mesmo, na divisão de tarefas: a entrevista, concedida por e-mail, foi escrita pelos dois, juntos.


Marc e Amy Vachon: Antes de mais nada é preciso lembrar que o objetivo é compartilhar a felicidade de criar os filhos (e, claro, cuidar da casa). Recomendamos que os casais organizem seus horários de modo que se torne natural partilhar alguns dos grandes trabalhos, como cozinhar e fazer as compras de supermercado. A mãe pode chegar em casa primeiro às segundas e quartas-feiras para conseguir fazer o jantar nestas noites, e o pai sair mais cedo às terças e quintas-feiras para se encarregar da cozinha. Aqui em casa temos até uma agenda com os dias da semana que cada um coloca as crianças na cama, e aos domingos são elas que escolhem quem vai fazê-las dormir. A ideia não é criar um plano imutável, mas garantir que nós dois tenhamos tempo suficiente com nossos filhos. É importante não se concentrar na comparação de quanto tempo cada um gasta em cada trabalho. Isto conduziria à infelicidade, que é o oposto que a divisão tenta criar. Se alguém percebe que ele ou ela está fazendo a mais, então essa pessoa pode trazer o tema para a discussão.
C.: O que pode atrapalhar essa mudança?
M. e A.: Como a maior parte do trabalho fica sempre com as mães, um erro comum é quando elas pensam que estão deixando de exercer “controle sobre o pai” no momento que começam a dividir o trabalho. Por exemplo: ela “deixa” o marido fazer o jantar ou vestir as crianças, mas sutilmente o critica com a desculpa de ajudá-lo a fazer do jeito dela. Já o pai precisa que a mulher o lembre, a toda hora, do que precisa ser feito. Outro erro é decidir que a mãe tem que ficar em casa porque o custo de pagar uma babá é muito próximo ao salário dela, em vez de comparar o valor desse serviço com o salário total de ambos pais e achar uma outra solução, como a redução de jornada. Tendo mais tempo para ficar em casa, eles não precisariam de uma babá.
C.: Como a mãe pode se controlar para não falar para o pai que ele deveria fazer as coisas de outro jeito?
M. e A.: Ah, isso não é fácil mesmo. Eu, Amy, digo que devemos lutar contra esse sentimento “de controle”. Você precisa se lembrar do que quer: ou seu marido dividindo tudo com você ou as coisas sendo feitas da maneira que você quer. Marc sempre me avisa quando começo a agir como o chefe da casa.
C.: Mas, para algumas coisas, os dois não devem ter o mesmo discurso? Como decidir se pode ou não ver televisão antes de dormir?
M. e A.: É importante que cada pai tenha liberdade para fazer as coisas do seu próprio jeito, mas, claro, as regras de como a casa funciona devem ser as mesmas. O exemplo da hora de dormir é muito bom. Cada um pode colocar o filho na cama da maneira como desejar, mas o horário tem de ser o mesmo. Em casa temos as nossas regras também, como o tipo de comida que é saudável para as crianças. Mas o lanche que vai na mala do passeio é uma escolha individual!
C.: A maior queixa contra os pais é que muitos deles não se envolvem tanto quanto poderiam...
M. e A.: Aqui nos Estados Unidos, e talvez no Brasil seja a mesma coisa, as expectativas da sociedade sobre o homem são muito menores que sobre a mulher quando se fala em criação dos filhos e tarefas domésticas. O homem que leva o filho ao parque é um herói, mas a mulher que faz a mesma coisa só está fazendo o trabalho dela como mãe! Para mudar, o pai pode começar fazendo simplesmente mais do que o pai dele fazia. Ele precisa estar disponível às crianças tanto quanto sua mulher e se responsabilizar por metade das tarefas, como levar os pequenos ao dentista de rotina ou voltar do trabalho para cuidar do filho doente.
C.: Como o pai pode falar com o chefe e pedir para ficar em casa quando a criança não está bem?
M. e A.: Da mesma maneira que a mãe faz (e já fez por décadas). A barreira é muito mais cultural do que prática, porque ele pode continuar trabalhando de casa ou estar disponível no celular. Significa que ele vai ter de ser corajoso, calmo e firme na hora de fazer o pedido, e dizer que é importante para ele.
Dicas práticas para a mãe:
• Durante a licença-maternidade, deixe algumas tarefas (como dar banho e cortar unhas) para o pai fazer quando ele voltar do trabalho.
• Não o deixe de fora das decisões, das mais simples às mais difíceis. Em alguns casos vai ser mais fácil resolver tudo tendo mais uma pessoa pensando junto.
• Não lembre o que ele precisa fazer (a não ser que seja uma emergência) nem prepare nada, como lanchinho ou mala com roupas extras, quando ele sair sozinho com as crianças.
• Altere os dias que cada um acorda para ver o filho que está chorando. Ainda que ele diga que não ouve o bebê, você vai ver como o problema do “ouvido seletivo” que ele aparenta ter vai melhorar!
C.: O que um casal deve levar em conta antes de pedir por mudanças no trabalho, como redução da jornada?
M. e A.: Primeiro, imagine como seria a condição de trabalho ideal e como essa mudança se encaixaria na rotina de vocês. Leve mais de uma solução no momento de discutir com o chefe. Se você estiver bem preparado, vai saber quando aceitar uma solução diferente que ele possa oferecer ou se é o caso de achar um emprego mais flexível. Felizmente, achamos que as empresas estão reconhecendo os benefícios de permitir que seus empregados organizem seus próprios horários. Isso pode garantir a longevidade do profissional, porque ele vai ficar mais feliz onde está. Muitas vezes o cronograma perfeito não é possível de imediato. Talvez pequenas mudanças, como sair mais cedo às terças e mais tarde às quintas-feiras, dê aos pais opções para ficarem sozinhos com os filhos em dias alternados da semana. Se não der certo, persista com seus pedidos, mesmo que a primeira resposta (ou a segunda, ou a terceira...) seja “não”. O chefe pode permitir que o funcionário mude a agenda temporariamente ou a título experimental. Essa é uma boa maneira de caminhar para uma solução.
C.: Se essa reestruturação der certo, a mulher vai ter um tempo livre. Mas muitas mães sentem culpa em usar parte desse tempo para projetos que não envolvam o filho...
M. e A.: Uma família feliz começa com pais felizes, e o melhor presente para o seu filho é mostrar que você pode cuidar de si mesmo. Tenha certeza que seu companheiro ou companheira também vai usufruir desse benefício. Quando tomamos o tempo para nós mesmos, estamos ensinando a nossos filhos que a vida adulta pode ser divertida. Por isso também é importante que vocês tenham momentos a dois. Vale contratar uma babá para passar a noite na sua casa, deixar as crianças com os avós ou com os amigos próximos e até relaxar depois que elas dormirem. A diferença de fazer isso quando a divisão de tarefas funciona na sua casa é que você não vai se sentir supercansado no final do dia.
C.: E quando algo der errado? Por exemplo: era o dia do pai sair com os amigos e a mãe ficar com as crianças, mas ela tem um imprevisto no trabalho e vai voltar tarde.
M. e A.: Quando essa situação acontecer, a mãe sabe que seu parceiro é perfeitamente capaz de cuidar dos filhos e deve perguntar se ele pode assumir esse dia. Ele provavelmente vai precisar fazer o mesmo em algum momento, e vai gostar de saber que pode contar com ela. Desde que essas trocas não se tornem desequilibradas – uma pessoa sempre decepcionando o outro com mudanças inesperadas –, ligações ocasionais para pedir pequenas mudanças são apenas sinais de que a parceria está funcionando bem.
C.: As crianças reconhecem a divisão de tarefas?
M. e A.: Elas não entendem a importância desse projeto de vida, mas sabem qual pai faz o que – e às vezes até escolhem um dos dois para alguma coisa. As crianças podem querer que um pai faça mais por dois motivos: ou porque gosta do jeito dele ou porque ele é mais flexível com algumas regras. Você tem de controlar isso. Mas aí você pode perguntar: e quando a criança chora no meio da noite e pede por um dos pais? Ainda assim, falamos aos nossos filhos que nós dois podemos cuidar deles naquele momento, e às vezes ficamos juntos nessa hora.
C.: Tratar das finanças é sempre complicado. Como fazer para que o pai não sinta que esse papel é só dele?
M. e A.: O homem tem de entender que a carreira da parceira é tão importante quanto a dele. É preciso começar a pensar em ambos parceiros como provedores de igual importância, mesmo que uma pessoa ganhe mais dinheiro do que a outra. Se sempre optamos pelo que tem o salário maior ou o cargo com mais prestígio, a diferença só vai aumentar ainda mais ao longo do tempo e logo a relação está desequilibrada.
C.: Se vocês pudessem listar os maiores benefícios da divisão de tarefas, quais seriam eles?
M. e A.: A mulher não seria sempre “a” pessoa (e a única) responsável por criar uma criança e fazer as tarefas de casa. Ela poderia continuar a carreira sabendo que o filho está sendo cuidado por outra pessoa (o marido) que ama a criança e que é igualmente capaz de criá-la. Já o homem deixaria de ser o único responsável por manter financeiramente a família. É também a oportunidade de criar um relacionamento íntimo e diário com seus filhos enquanto eles crescem. Para o casal, é a chance de ter uma parceria com pilares verdadeiros, em que um compreenda e entenda completamente o outro.
Dicas práticas para o pai:
• Se seu filho acabou de nascer, tente ficar em casa o maior tempo possível. Além da licença-paternidade, tire férias, use dias do banco de horas ou veja se é possível trabalhar meio período nesse começo.
• Não use o seu trabalho como desculpa para não acordar de madrugada e acalmar o bebê.
• Leve a criança para passear de carrinho – sozinho. É um tempo para vocês dois se conhecerem melhor e para a nova mãe descansar.
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